Esquecido na História
Boas.
Hoje enquanto estava a ler as Selecções do Reader’s Digest vi um artigo que me chamou particularmente a atenção. A referida peça falava de um desportista que era o António Martins. Quando olhei para o nome para mim foi como se ficasse em branco pois não me dizia nada, mas depois de ler as seguintes linhas fiquei fascinado. Cá vai:
O mais completo atleta português de sempre
«Não tenho dúvidas nenhumas de que ele foi o mais completo atleta português de sempre. Hoje, dirão que é o Ronaldo. Mas acho que, globalmente, quer espiritual quer fisicamente, o atleta mais completo foi de longe o meu pai, porque ele foi recordista nacional em várias modalidades: peso, disco, dardo, salto em altura, salto em comprimento, salto em largura. Foi campeão em tudo o que havia no tiro desportivo nessa altura – espingarda de guerra, espingarda livre (deitado, de joelhos e de pé, e obteve o primeiro lugar no Campeonato do Mundo, em 1928, o único ano em que o tiro não fez parte das modalidades olímpicas), pistola de guerra, pistola livre e de precisão, de pé, deitado, de joelhos. Ou seja, tudo o que havia do desporto de tiro na altura», afirma Gentil Martins, médico, e também ele detentor de um invejável currículo desportivo.
António Martins nasceu a 4 de Abril de 1892, Abrantes, onde passou os primeiros anos da sua infância. Em 1903, rumou a Santarém para fazer os estudos primários. Curiosamente, apesar de se ter tornado um atleta exemplar, nasceu bastante franzino e com uma saúde delicada, que desde cedo preocupou os pais. Quando iniciou os estudos no liceu, ainda em Santarém, era considerado um dos alunos mais desatentos «faltando-lhe o domínio sobre a atenção e a energia física».
Preocupados com a saúde do filho, os pais decidem transferi-lo para Coimbra, para estar mais perto da terra onde viviam. Uma decisão que haveria de mudar para sempre a vida de António Martins. Em 1906, começou a praticar ginástica e a nadar no rio Mondego. Os resultados não se fizeram esperar. Além de uma transformação física radical, melhorou muito o rendimento escolar. A primeira prova desportiva que venceu foi no salto em altura, em 1912, ano em que entrou para o Clube Internacional de Foot-Ball, iniciando assim uma brilhante carreira desportiva.
Aplicado e metódico, António Martins começa a dar nas vistas na Universidade de Coimbra. Em 1911, ingressou no curso de Filosofia. Integrava um grupo que, frequentemente, realizava excursões de carácter desportivo e científico. Foi, aliás, com este grupo que se deslocou ao Cântaro Magro, na serra da Estrela, procurando um exemplar de uma Silene elegans (uma planta de caule). Não a encontrou por não ser a época de floração, mas, em contrapartida, recolheu outra silene rara e mais 60 novas espécies botânicas que enriqueceram o herbário da faculdade.
Em 1913, ao chegar a Lisboa vindo de uma viagem científica a Cabo Verde, propõe-se ao exame de Anatomia, tendo obtido 19 valores de classificação – a mais elevada de sempre dada naquela faculdade.
Nos anos de 1913 e 1914, foi assistente voluntário da cadeira de Anatomia, passando mais tarde a segundo assistente, função que manteve até final do curso, em 1917, com distinção, obtendo 18 valores de nota. Foi então convidado pelo professor Francisco Gentil – professor de cirurgia e fundador do Instituto Português de Oncologia – para assistente da primeira clínica cirúrgica.
Em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial, partiu para França integrado no Batalhão de Infantaria 12 do Corpo Expedicionário Português. Ao ter conhecimento que o Regimento de Infantaria 23 iria ser enviado para a linha da frente, ofereceu-se como voluntário, tendo participado na ofensiva final dos Aliados, integrado no Batalhão de Assalto, na qualidade de tenente-médico. Numa acção puramente humanitária e sem ligação com a sua notória capacidade como atirador.
Regressado de França, prescinde da dispensa de exame que a lei lhe confere, como médico mobilizado, e defende a sua tese, obtendo a classificação máxima: 20 valores. Em 1929, torna-se cirurgião dos Hospitais Civis de Lisboa, tendo sido aprovado por unanimidade.
Ao mesmo tempo que começava a notabilizar-se como médico, António Martins não descurava a carreira desportiva, nomeadamente o tiro, modalidade em que continua a ser o atleta português mais medalhado de sempre. Durante muitos anos, foi o único atleta nacional a estar presente nos Jogos Olímpicos em mais do que uma modalidade. Foi mestre atirador em provas internacionais, como nas Olimpíadas de 1924, em Paris, e nos campeonatos do mundo de Roma, em 1927, e Estocolmo, em 1929. Muitas são as referências que ainda hoje se podem encontrar a António Martins na imprensa da época. O jornal Os Sports dizia: «Como desportista, o Dr. António Martins foi o maior de quantos têm podido merecer esse título honroso... Lutador esforçado pelo nobre e patriótico ideal da Educação Física e dos Desportos.» O jornal A Voz classificava-o como «atleta completo. O verdadeiro protótipo do homem forte e são de espírito e de corpo».
Uma vida brutalmente interrompida, a 3 de Outubro de 1930, quando estava a treinar para o Campeonato de Portugal de Tiro e foi atingido por um tiro da própria carabina, num descuido impensável num atirador experiente e prudente como ele era. Ao que se apurou, e talvez fruto do cansaço, ao descansar a arma no chão, quando tentava corrigir a mira, ela disparou sozinha atingindo-o mortalmente. Tinha apenas 38 anos. Ironia do destino, este foi o primeiro e último acidente mortal numa carreira de tiro desportivo em Portugal.
O que em parte acho estranho é que quer no nosso ensino, quer na Comunicação Social isto é daquelas coisas que nem sequer é falada. Sei que se este senhor fosse inglês ou americano quase de certeza que já haveria um filme que retractasse a vida dele, mas estando nós aqui escondidinhos pelo menos nas nossas escolas este seria um nome a ser falado.
Claro que sou um pouco crente, mas não custa nada tentar.