Cheirar mal é não resolver o assunto.
Boas.
Embora quase que nem seja falada, hoje venho aqui com um assunto que poderá afectar alguém nosso conhecido mas que por vergonha quase que é mantido em segredo. E é uma doença que na maioria das vezes é muito devastadora e humilhante. E falo de A incontinência fecal, a qual é caraterizada pela perda involuntária de gases e de fezes pelo ânus. A doença tabu é muito mais frequente nas mulheres, sobretudo na sequência de um traumatismo obstetrício durante um parto vaginal.
Joana Paredes, a futura presidente da primeira Associação de Doentes de Incontinência Fecal, afirma que mesmo sendo um caso tabu, a mesma procurou desde cedo ajuda, porque achava impossível não existir qualquer solução médica para o problema e não estava disposta, face à idade, a viver o resto da vida com este problema e com todas as suas consequências.
Para Joana, a doença começou após ter realizado uma cirurgia a uma fístula perianal, quando tinha 34 anos.
O doutor José Gonçalves, coloproctologista, afirma que, devido ao estigma social que envolve a incontinência fecal (IF), a real dimensão do problema ainda não é conhecida, já que muitos doentes se sentem de tal forma embaraçados que optam por não pedir sequer ajuda.
Estima-se que esta condição possa afectar até 10% da população adulta, muito mais em mulheres. Calcula-se que afecte, em média, 2% da população, sendo que 1% sofre de sintomas graves e incapacitantes. A partir dos 65 anos, a incidência aumenta progressivamente.
Quando se trata de idosos institucionalizados, cerca de 50 % sofre de incontinência fecal. O que torna «engraçado» é que ao passar num hipermercado a zona de produtos para incontinentes é quase uma zona de vergonha.
Este médico salienta que estes números estão subestimados, já que este problema não se trata de todo de uma doença rara e que a IF pode ocorrer nas mulheres logo a seguir ao parto, ou apenas manifestar-se alguns anos mais tarde, após a menopausa. A incidência e a prevalência vão aumentando à medida que a idade avança.
Inconformada, e em busca de uma cura, Joana resolveu submeter-se a uma operação de reconstrução do esfíncter anal, que infelizmente se veio a revelar sem sucesso.
Existem diversas opções para tratamento da IF, desde aquelas mais conservadoras, começando com a dieta, por um ajuste da medicação habitual (nos casos de doentes sob medicação crónica), por prescrição de medicação obstipante e pela reabilitação do pavimento pélvico através de fisioterapia. Outras opções incluem a irrigação cólica (vulgo clísteres de limpeza) e o tampão anal.
A cirurgia é indicada quando o tratamento médico conservador não é eficaz. Existem diferentes técnicas, desde a reparação do esfíncter anal à confeção de uma colostomia, passando pela neuromodulação sagrada, a qual foi a solução para a Joana.
Esta é uma opção de tratamento que se traduz na estimulação dos nervos sagrados (como se fosse um pacemaker), que permite alcançar uma resposta biológica que melhora os sintomas do doente. Esta técnica estimula as raízes nervosas sagradas (no fundo das costas) através de impulsos elétricos e pode ser a solução quando as terapias comportamentais e os medicamentos falham. O objetivo deste tratamento é controlar o intestino, regulando os episódios de perda fecal e melhorando bastante a qualidade de vida do doente.
Atualmente, Joana já superou este problema, mas viveu seis anos com a patologia e não esquece o trauma pelo qual passou. “Na altura, imagine-se ter 30 e poucos anos, ser uma mulher vaidosa, ter uma vida profissional ativa e sofrer de perdas de fezes quando menos esperava?! É algo que não se imagina sem passar pela situação!”. Recorda a vergonha e o estigma social provocado pela incontinência fecal, um tema delicado e quase impossível de abordar. “Eu tinha imensos cuidados com a limpeza pessoal quando ia à casa de banho, andava constantemente com um penso diário e a mudá-lo nos dias piores, até às situações mais danosas que eram não usar uma calça branca, uma roupa justa em momentos em que saberia que podia acontecer o inevitável”, acrescenta.
Joana recorda ainda o impacto psicológico da patologia, bem como perda de autoestima e de autoconfiança. "Não é fácil manter uma vida dita ‘normal’ enquanto o problema não está solucionado, porque pode sempre haver um odor, uma mancha na roupa ou um 'evento' sem casa de banho por perto”.
O médico também não tem dúvidas. A incontinência fecal é uma condição devastadora, humilhante, que provoca ansiedade, medo, embaraço, vergonha e reclusão. Perturba o equilíbrio emocional, social e psicológico do doente, que frequentemente esconde esta situação.
O especialista faz sobressair ainda como a doença pode condicionar completamente a qualidade e estilo de vida e ser causa de institucionalização, divórcio, despedimento, baixa médica e reforma antecipada. “Atrevo-me a dizer que a incapacidade de controlar os gases e fezes é provavelmente a condição que mais afeta a dignidade de um ser humano em todas as vertentes da sua existência, na sua intimidade, na sua vida social e profissional”, sublinha.
Agora, como futura presidente da Associação de Doentes de Incontinência Fecal, Joana Paredes espera conseguir desmistificar o problema que afeta tantos. Acredita ainda que o facto de ter passado pela experiência é sem dúvida uma vantagem. “Quem passou por um processo destes, sente necessidade de partilhar a sua experiência e dar esperança a outros doentes de que existe uma saída para o problema”.
Para quem sofre de incontinência fecal ou tenha algum amigo ou conhecido e procura mais informação, tem dúvidas ou precisa apoio contacte doentesincontinenciafecal@gmail.com.
E isto não é um assunto de caca.